um tanto, de tudo

30 mar

A certeza era dada quando cruzam os olhos. Os gestos incertos ainda sem jeito. A amizade poderia transpor a falta de onde colocar as mãos na vontade de deixar levar por toda extensão do corpo.

Perceber um a presença do outro, em um feitio lindo, o anseio pelas conversas fugazes, rodeadas de lugar comum. Essa era beleza.

Sorriam juntos como a quem sela corações, uma paixão que a despertava ser ainda mais mulher, na entrega de olhos fechados e o desejo de senti-lo no escuro.

Gostoso era esse amor de verão e a sensação de poder se viver todos os dias. Instigar a melhora no outro e ser completo, isso era prazeroso e em essência a entrega a um braço que estivera ali o tempo todo, só que agora rodeava sua cintura.

– Vamos viver no mundo! Na entrega, nos sorrisos e nas falhas porque é olhar só para frente, pra trás não é comigo.

Seriam a pessoa nova um do outro, de mão dadas e assumindo esse amor que saberia o quão saboroso seria.

no silêncio

29 mar

Cada cheiro de mato, de carro, de podre e de perfume, cada sensação de vento bater na espinha, frio ou quente, cada música do Bitte Orca pensava nela.

Não podia passar em branco, as saudades eram imensas, o espaço vago no sofá que ela nunca deitou, o cheiro do cabelo molhado no travesseiro que só ele sentia. Nunca estiveram ali, juntos, nunca estiveram de fato juntos.

Queriam um ao outro, riam entre um trago e outro daquele cigarro e chapados entre os olhos espremidos e os sorrisos largos, não sabiam onde o espaço acabava entre as conversas corriqueiras e a forma com que ele coçava a barba e ela ajeitava os cabelos compridos.

Miravam-se de perto, em silêncio, e não sabiam onde eles começavam.

a partir dos olhos dele

22 mar

A música embalava um verão daqueles gostosos de sentir, que vem carregados de sol com brisa fria no fim do dia. Era esse o amor deles, a presença que desperta e o roçar da barba em sua nuca.

Conversavam futilidades e causos tão corriqueiros, o abraço longo de juntar corações e no silêncio permaneceriam sem dizer nenhuma outra maneira de falar sobre eles. Procurava em todo e qualquer gosto e cheiro, era tudo uma forma de lembrar aqueles gestos que tanto olhava.

Gastava horas do dia lembrando a forma de como movia os lábios, entre os sorrisos ou a maneira com que passava a mão entre os cabelos.

– a quem quer enganar? era linda na desordem que o vento tratava de fazer em seus cachos e a enfiava em um espaço belo.

Poderia fotografá-la corriqueiramente, captar espaços sutis que não sufocava o coração nem as palavras, era amor, por conjunturas “infiel, pero nunca desleal”.



yo, tú y garcía lorca

16 mar

Sentia o peito encher-se e percebia nos lábios o seu gosto. Percorria bairros de ônibus, encontravam pra uma cerveja, num final de tarde qualquer, era assim, um amor que lhe inflava o peito só no abraço, no breve toque das mãos suadas e não passaria disso.

Pensava naquele amor como a calmaria de vida, com cheiro eterno de chuva e uma disposição a se entregar ao mundo e fazê-lo entregar-se também, vivendo todos os diálogos e cores com intensidade de um filme do Almodóvar, pois, “y pienso, con la flor que se marchita, que si vivo sin mí quiero perderte.”

Continuava de férias, sem deixar as palavras faltarem e com o ar engasgar-se, sabia que era amor de alguma forma.

de férias

15 mar

Os olhares que se cruzam e perdem-se no encontro. Ela confessava a si, não fazia por mal e nem tinha más intenções, mas insistia em continuar a fazê-lo dias a dias, em conversas tão fugazes que se perdiam entre tantos olhares e em abraços longos como de quem sente saudades, e, eles realmente sentiam. Sentia o coração a apertar o peito e as mãos que seguravam o cigarro, só ficavam a suar. Não tinha ciúmes de outras mulheres, nem fantasiava a respeito. Isso não a fazia mal, o que não gostava era ficar sem olhar aqueles olhos que lhe remetiam ao pé de jabuticaba do quintal de casa e aquele sorriso doce que mais parecia ter gosto de sorvete de pistache. Não pensava em entregar-se e vivia um amor de férias, sempre de férias.

vazio

5 mar

meu coração esfarelou
virou pó, esfarelou

como areia entre os dedos

levado ao vento
como poeira cósmica

em um só

20 dez

e de onde o escuro permanecia, os cheiros embalaram a sala cheia de fumaça, do nosso cigarro. a alma embalada na lentidão do jogo de pernas que eu fazia entre suas coxas e o apoio de suas mãos nas minhas costas.

o espaço todo em um único suspiro, um pulsar, um gozo, um espasmo em um entrelaçar que nos torna cúmplices, únicos no  mesmo canto do sofá e na nostalgia de todas as noites sem dormir em um outro apê de botafogo.

sábado

20 nov

e o canto espalhou-se, perdeu sentido e não procuro razão.
o que há em mim é dividido, mas sem paixão.

.

21 jul

Hoje o que há em mim morreu. Escorreu como a última gota que suportei chorar, sem mais delongas ou dramas. Não há nada do passado e sem previsão de futuro.

teresópolis

16 maio

Tento falar, não sai. A necessidade de cuspir palavras tortas, vomitá-las, essa necessidade dizer mesmo na falta de palavras. Ainda não sei administrar toda uma situação em silêncio e sem ações, fica difícil assim explicar se é uma ausência de sentimentos ou se apenas estou a transbordá-los.

Falta certeza do muito e do nada que vejo através dos olhos seus e sinto um turbilhão de carinhos, espaços e apertos entres os lençóis. A cama aberta entre o espaço dos seus braços em minhas costas e a ausência da alma quente e dos olhares cúmplices.

Misturo as saudades anteriores com o cheiro nostálgico ainda presente nas minhas segundas-feiras de manhã que andam me fazendo falta. Incerteza de um encaixe perfeito ou se apenas mais uma…passagem. Aquela história dos meus deja-vus macabros que acabo por carregar muito das pessoas que aprendo a amar e admirar e fico com a estranha e amarga sensação de não deixar nenhuma parte de mim.

Uma combinação em sonhos e planos em uma divergência de pensamentos e mais uma vez ações.

O desejo do corpo intenso em suores, espasmos e cheiros que muitas vezes desgasta-me o coração e fito-me ao que vejo através dos seus olhos.